terça-feira, 18 de março de 2008

A era pós-profissional

A era pós-profissional
Roberto Macedo – OESP(Ce3) – 27.Jan.2008

O jornal Valor publicou em 27/12/07 interessante entrevista com a socióloga ítalo-americana Magali Safatti. Ela veio ao Brasil participar da mesa Profissões e Sociedades em Transição, no congresso anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs).
Na entrevista abordou tema que é a linha mestra dos nossos artigos neste espaço - o “descolamento’ entre as profissões e suas ocupações típicas. Da entrevista transparece que isso tem alcance internacional, e na sua análise Safatti identifica o que chama de era pós-profissional, em que o trabalho é marcado por novas formas de inserção dos especialistas.
Safatti acompanhou bem o surgimento dessa nova era, a qual é relativamente recente. Prova disso é que em 1977 lançou um livro com o título de A Ascensão do Profissionalismo - Uma Análise Sociológica, pela editora da Universidade da Califórnia (EUA).
Nessa época, “a identidade profissional, uma das bases da organização social do mundo moderno, conferia a alguém que pudesse ser identificado como engenheiro, médico ou advogado, o direito de dizer verdades sobre a sua fatia do mundo. A profissão era também um projeto social determinante para a mobilidade social”.
Isso levava à criação de grupos corporativos em torno das profissões, com aqueles que as exerciam sendo identificados e respeitados pela natureza clara dos serviços que ofereciam, como os de saúde, assumindo no seu meio social uma posição de poder em face do seu domínio da área.
Hoje, três décadas depois, diz que esse modelo corporativo foi substituído pelo que chama de 'especialidades tecno-burocráticas'. Uma especialidade desse tipo é uma forma de conhecimento que se insere no social, sem criar grupos corporativos. Exemplificando a partir de ocupações como analista financeiro, especialista em diagnóstico médico por imagens e tradutor de softwares, Safatti pondera que as pessoas que as exercem “não assumem mais um projeto coletivo de poder”, e argumenta que muitas ocupações que surgiram ao longo do tempo ‘não são profissões, pois não constróem identidades’.
Elaborando sobre sua visão, ela diz que no novo status “é como se essas pessoas fossem mestres em procedimentos, mas não são o que eram os engenheiros e os advogados, um grupo’.
E mais: argumenta que um dos “elementos essenciais de uma profissão é a construção de um campo, de uma área do conhecimento em torno do qual crescem paredes”, dentro e fora das quais os que a dominam são os únicos autorizados a falar desse campo. Hoje, “essas paredes são cada vez mais fluidas”. “Você pode ser qualquer coisa. Pode ser historiador e administrar uma empresa.” Ou ser um engenheiro e tornar-se um analista financeiro, acrescento.

TRANSIÇÃO

Ou seja, estamos numa fase em que a antiga situação convive com a nova. Ademais, como no caso da Medicina, em algumas profissões os muros continuarão necessariamente fortes. As novidades vêm das muitas ocupações que são criadas pelo desenvolvimento econômico, institucional e tecnológico, num processo que divide, amplia e diversifica fortemente as atividades que as pessoas exercem ao trabalhar.
O sistema educacional, conservador por natureza, corre atrás desse processo, sem condições de acompanhá-lo nos seus detalhes, ou até mesmo se equivocando ao tentar fazer isso, com uma profusão de novos cursos e “profissões”. Com isso, inadequadamente forma pessoas mais voltadas para a situação antiga, e que saem por aí à procura do que fazer, freqüentemente só encontrando oportunidades fora das áreas em que estudaram. Daí o “descolamento” a que nos referimos.
Evidentemente, a era pós-professional abre imenso campo para reflexões. Para quem analisa o mercado de trabalho, participa dele ou fará isso no futuro, o importante é acompanhar as mudanças, pois elas influenciarão escolhas pessoais e exigirão políticas públicas específicas, como a de informar e orientar jovens nas suas decisões.

Roberto Macedo -Economista (USP), Doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor, consultor econômico e autor do livro“Seu Diploma, Sua Prancha - Como Escolher a Profissão e Surfar no Mercado de Trabalho” (Editora Saraiva, 1998)

Fernando - 18/03/2008

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